Por RODRIGO LEÃO- Época São Paulo - OUT/09
Com quantos megapixels se faz um Matisse?Capturou em poucos minutos a obra de uma vida inteira. Custava parar para apreciar os quadros? Mas ela seguia como Van Damme: nada poderia detê-la. Clique. Clique. Clique
Rodrigo Leão é músico, publicitário e não deixa o anonimato subir à cabeçaAquela senhora certamente escapara de um quadro do Botero. Com a silhueta impiedosamente delineada pela calça fuseau e pela camiseta três números menor que o necessário, parou por alguns segundos diante do quadro intitulado Nu Sentado Contra Fundo Vermelho, pintado em 1925 pelo mestre Henri Matisse. Sacou sua câmera digital cor-de-rosa de origem sino-duvidosa e sapecou uma foto. Conferiu a imagem no pequeno visor de LCD e seguiu rolando pela exposição Matisse Hoje, na Pinaco-teca do Estado, capturando com apenas 4 megapixels e em poucos minutos a obra visual que o gênio francês levou uma vida inteira para conceber e produzir.
Por que ela não parava para olhar os quadros? Não custava nada. Sério. Era sábado, dia de entrada franca na Pina-coteca. Aqueles quadros demoraram um século para chegar àquelas paredes. Custava parar um pouquinho para apreciá-los? Mesmo sendo uma retrospectiva pequena ou uma “microspectiva”, como dizia o texto na entrada, Ma-tisse Hoje é a primeira mostra significativa do pintor no Brasil. Mas ela seguia como Van Damme: nada poderia detê-la. Clique. Clique. Clique.
Logo, percebi que não era só ela. Pelo menos um terço dos visitantes não observavam os quadros em si. Estavam vendo a exposição através das telinhas de seus Blackberries, Nokias e Motorolas. Alguns postavam diretamente para suas páginas no Facebook os quadros que nem tentavam apreciar. “Ele deve ter morrido agora”, chutava outra senhora, errando por apenas meio século, enquanto fotografava uma colagem.
O crítico de arte da revista Time, Robert Hughes, escreveu certa vez que uma pessoa comum já não era mais capaz de enxergar a beleza singela de uma natureza-morta depois da supervalorização das obras dos mestres impressionistas, ocorrida nos anos 80. Tudo o que o cidadão via à sua frente agora eram milhões e milhões de dólares. O valor multimilionário das obras de arte foi se tornando um impedimento à sua mera apreciação.
O que acontecia na minha frente era uma coisa parecida. O advento da câmera digital plenamente acessível a toda a população do planeta está banalizando o poder das imagens. Do mesmo jeito que o excesso de dinheiro na praça desvaloriza uma moeda, os trilhões de fotos geradas todos os dias desvalorizam cada unidade singular. Ao ponto de não conseguirmos mais olhar para uma imagem e sentir tantas emoções assim. Os visitantes foto-grafam, não para contemplar as obras mais tarde, mas apenas para provar que estiveram lá. Como se fotografas-sem uma passeata ou uma celebridade no restaurante. Uma forma de arte só existe enquanto existirem especta-dores qualificados para apreciá-la...
Quando Matisse primeiro mostrou seus quadros fauvistas no Salon D’Automne, em 1905, em Paris, algumas das visitantes chegaram a desmaiar. Para gerar esse tipo de reação, uma imagem precisa ser observada com intensa concentração e respeito. Aproveite bem essa chance de ver a obra de Matisse de perto: lembre-se de esquecer o seu celular em casa.
http://revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca/SP/0,,EMI95026-16343,00-COM+QUANTOS+MEGAPIXELS+SE+FAZ+UM+MATISSE.html
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